Introdução
Panorâmica
A maior e mais profunda epístola do apóstolo Paulo foi a aos romanos. Destaca-se por seu alto nível doutrinário. Na esfera da teologia é a mais significativa obra já produzida. Eminentes mestres da Bíblia têm feito declarações que valorizam ainda mais a obra de Paulo e aguçam o interesse do leitor.
Cinco importantes doutrinas bíblicas são apresentadas na carta e obedecem a uma ordem cronológica especial, visto a imperiosa necessidade da igreja em Roma. Alguns problemas de ordem doutrinária obrigaram Paulo a escrever à igreja, para dirimir dúvidas existentes.
O Autor
A melhor maneira de compreender esta carta é conhecer o seu autor. Muitos livros têm sido escritos sobre a vida deste grande homem de Deus. Suposições históricas têm sido levantadas para realçar a nobreza deste grande apóstolo. Entretanto, tudo o que se conheceu acerca de Paulo encontra-se no Novo Testamento.
Paulo era judeu de sangue, da tribo de Benjamim (Rm 11.1), e natural de Tarso, na Cilícia. Em Jerusalém, foi fariseu zeloso, tendo como mestre o respeitável Gamaliel (At 22.3; 26.4,5). Era conhecido e respeitado por seu zelo extremo da religião judaica. Por essa razão, foi implacável perseguidor dos cristãos antes de se converter ao cristianismo (At 7.58; 8.1; 9.1; 22.4; Gl 1.13; Fl 3.6; 1 Tm 1.13).
Paulo foi contemporâneo de Jesus em sua vida terrestre, e certamente conhecia a sua fama entre os judeus. Não foi possível provar até hoje que Paulo tivesse conhecido Jesus pessoalmente, senão pela fama do seu ministério itinerante na Palestina. Na realidade, Paulo o conheceu verdadeiramente no caminho de Damasco. O Senhor já havia ressuscitado e subido ao Pai, quando o implacável "Saulo de Tarso" preparou-se para mais uma investida cruel contra os primeiros crentes. Mas foi detido pela poderosa luz do Rei dos reis, Jesus, o Salvador. Uma transformação imediata e regeneradora aconteceu, e ele converteu-se a Cristo (At 9.1,29; Gl 1.11; 2.1).
Acompanhando seus passos nos Atos dos Apóstolos e, posteriormente em suas cartas, descobrimos em Paulo uma personalidade marcante que muito influiu em seu ministério. Há algo de singular neste gigante da Igreja primitiva. Características fascinantes desse grande apóstolo se descobrem em cada uma das suas cartas. Estas características vislumbram num misto de austeridade e ternura, de severidade e flexibilidade, de intransigência e sensibilidade. Em suma, observamos na alma de Paulo, a lógica e o sentimento. Os seus ensinos são profundos porque encerram verdades profundas. Os seus escritos são cristocêntricos e não divagam em superficialidades. Cristo foi seu assunto central nos ensinos e pregações. Sua teologia, profunda e racional, destaca um cristianismo moralista e põe como ponto alto a pessoa de Cristo.
Às vezes, o estilo de Paulo parece torná-lo duro e intratável no que tange à sua intransigência em assuntos doutrinários. Entretanto, ele cultivava a simpatia pessoal ao lembrar nomes, enviando saudações aos amigos conquistados no campo missionário.
Na verdade, temos muito que aprender da
vida deste grande apóstolo. Com indiscutível segurança e sem qualquer
resquício de vaidade, ele nos convida a sermos seus imitadores (1 Co 4.16) e diz: "o que também aprendestes, e
recebestes, e ouvistes, é vistes em mim, isso praticai" (Fl 4.9).
Data e Lugar
Não é difícil estabelecer o lugar e a ocasião em que foi
escrita a carta. Paulo fazia a terceira viagem missionária é, quando escreveu a
carta, estava na próspera cidade de Corinto, capital da província romana de Acaia, no território da Grécia. Depois de ter passado em
Éfeso algum tempo, doutrinando e estabelecendo a igreja ali, Paulo foi a
Corinto. Por três meses ficou hospedado na casa do fiel amigo Gaio, possivelmente na primavera de 57 ou 58 d.C. Desejando
voltar a Jerusalém, por considerar ter terminado seu trabalho no Oriente,
levantou ofertas das igrejas gentílicas, para ajudar os crentes perseguidos que
passavam privações em Jerusalém (Rm 15.25; 1 Co
16.1-14; 2 Co 8.1 e 9.15).
Com o ardor missionário queimando o seu interior, sua visão
evangelística ia mais além - à Espanha. No caminho
para a Espanha, Roma era escala obrigatória, por isso Paulo aproveitou a
oportunidade para escrever esta carta aos crentes em Roma, visto que desejava
expor a fé cristã, para dirimir as dificuldades doutrinárias existentes na
igreja em Roma, das quais Paulo era sabedor.
O Plano da Carta
Numa seqüência espetacular, o escritor destaca alguns
aspectos principais dentro da sua carta. A doutrina da salvação é apresentada
dentro de 4 itens essenciais: o teológico (1.18-5.11), o antropológico
(5.12-8.39); o histórico
(9.1-11.36); e o ético
(12.1-15.33). Esse plano alcança toda a Carta, e contém verdades incontestáveis
e irremovíveis.
1. Na esfera teológica (1.18-5.11), Paulo apresenta a
condição perdida dos homens, sem a mínima possibilidade de salvação por méritos
próprios, tanto para judeus como para gentios. Logo depois, Cristo é a solução,
visto que, por sua morte, todos os pecadores podem ser justificados da pena de
condenação. O pecador é justificado mediante a obra expiatória de Cristo Jesus.
Esta justificação é efetuada através da fé confessada em Jesus. É a fé sem as
obras da Lei. Esta fé introduz o pecador a uma nova vida de santificação e
poder.
2. Na esfera Antropológica (5.12-8.39), a vida toma outra
perspectiva. A ilustração do primeiro Adão e do segundo Adão, coloca o crente
de frente à realidade espiritual. O primeiro Adão foi vencido pelo pecado, mas
o segundo Adão venceu o pecado, e venceu por todos os homens. Um novo regime
de vida, orientado pelo Espírito Santo.
3. Na esfera Histórica (9.1-11.36), Paulo destaca a questão
da rejeição de Israel ao plano divino. A doutrina da salvação é apresentada de
maneira explícita. Havia um grupo de judeus cristãos que, amarrado ainda às exigências
da religião judaica, queria impor sobre os gentios convertidos os mesmos
requisitos da lei mosaica. Entretanto, Paulo apresentou a obra salvadora de
Cristo com sentido universal, extensiva a todos os homens.
4. Na esfera Ética (12.1-15.33), Paulo mostra algumas
implicações do Evangelho para a vida diária. Responsabilidades éticas para com
a igreja, a família e a vida material são colocadas em destaque. Não
pertencemos ao mundo, mas estamos no mundo (Jo 17.11,16). Paulo procura mobilizar
os crentes para uma vida de santidade total, para um rendimento incondicional a Cristo. As
doutrinas da santificação e do serviço cristão são postas em destaque. Aspectos
morais da vida cristã são tratados com muita propriedade por Paulo, tornando
imperativa uma maneira de viver santa e piamente.
A Doutrina do Pecado
A doutrina do pecado é apresentada na
Carta aos Romanos de modo muito realista e numa perspectiva de sua prática. O
pensamento moderno tenta salvar o homem pecador oferecendo-lhe educação, religião
e filosofia, visando com estes intentos moralistas tornar bom o homem mergulhado
na lama do pecado. Entretanto, a realidade do pecado é outra. O homem é pecador e indesculpável diante de Deus. Nesta primeira
parte do estudo da Carta aos Romanos, Paulo, sob a unção do
Espírito Santo, como um medico capaz, diagnostica o mal que condena o
homem pecador, mas apresenta, também, o remédio divino contra esse mal chamado
pecado.
Para que tenhamos uma visão mais ampla
sobre esta doutrina precisamos conhecer a essência do pecado conforme a Bíblia
a apresenta. Existem palavras no Antigo e no Novo Testamento que mostram as
várias facetas do pecado. As línguas originais da Bíblia, o hebraico e o grego,
dão-nos vários significados acerca do pecado. Fundamentalmente, pecado no
hebraico é "chatta'th"
e no grego é "hamartia" -
palavras que dão a idéia do pecado como "um mal
moral", mas que, essencialmente, significam antes "errar o
alvo". Entende-se, então, que o homem foi criado com um alvo específico,
mas ao pecar, perdeu esse alvo.
Portanto, nesta carta, a doutrina do
pecado é apresentada numa teologia realista em que os aspectos negativos e
positivos da Justiça de Deus são colocados de modo prático na vida do pecador.
A Doutrina da Justificação
Ao estudarmos a Doutrina do Pecado
(1.18-3.20) descobrimos que ninguém pode ser justificado pela justiça humana.
Entretanto, é na doutrina da justificação, no texto de
É a partir do capítulo 3.21 que o pecador,
judeu ou gentio, encontra um novo caminho através dos méritos de Cristo Jesus.
É aqui que ele pode ser perdoado e declarado livre da
pena do seu pecado, perante Deus.
Justificação significa absolvição da culpa, cuja pena
foi satisfeita. Significa ser declarado livre de toda culpa, tendo cumprido todos
os requisitos da lei.
Justificação é um termo forense que denota um ato judicial da administração da lei. Esse ato judicial legaliza a situação do transgressor perante a lei e o torna justo, isto é, livre de toda a condenação.
Cristo assumiu a pena do pecador e foi sentenciado em lugar
do pecador. Ele sofreu a pena contra o pecador. Cumprida a pena, o veredicto
final da justiça divina é a justificação do pecador. Entende-se então que ser
justificado não significa que a justiça tenha sido adiada, ou que ela não tenha
sido cumprida. Na verdade, Cristo cumpriu toda a justiça exigida contra o
pecador, visto que o pecador não podia pagá-la.
A Doutrina da Santificação
Antes de começar a explicação textual, é
preciso compreender e comparar dois aspectos da salvação, que são: o aspecto
legal e o aspecto ético e moral. No aspecto legal está a
justificação, que
trata da quitação da pena do pecado. Significa que a exigência da Lei foi
cumprida. Porém, no aspecto moral, está a santificação que trata da
vivência cotidiana após a justificação. - Como compreender então a relação
entre a justificação e a santificação?
Em primeiro lugar, a santificação trata do
nosso estado, assim como a justificação trata da nossa posição em Cristo.
Observe isto: Na
justificação somos declarados justos. Na santificação nos tornamos justos. A
justificação é a obra que Deus faz por nós como pecadores. A santificação diz
respeito ao que Deus faz em nós. Pela justificação somos colocados numa
correta e legal relação com Deus. Na santificação aparecem os frutos dessa
relação com Deus. Pela justificação nos é outorgada a segurança. Pela santificação
nos é outorgada a confiança na segurança.
Em segundo lugar, a santificação envolve,
também, o aspecto posicional. Se na justificação o crente é visto em posição
legal por causa do cumprimento da Lei, na santificação o crente é visto em
posição moral e espiritual. Posicionalmente, o crente é visto nesses dois
aspectos abordados que são; o legal e o moral. Legalmente, ele se torna justo
pela obra justificadora de Jesus Cristo. Moralmente, ele, se torna santo por
obra do Espírito Santo.
Em terceiro lugar, é preciso perceber a
distinção entre justificação e santificação. A primeira distinção refere-se à
justificação como obra definida e realizada. É obra completa e perfeita porque
o "Perfeito Justo" (Jesus) realizou esta obra. Porém a santificação é
obra do Espírito Santo. É
uma obra progressiva à medida da fé de cada crente. A justificação e a
santificação se completam, isto é, estão ligadas no propósito da salvação. Não
pode haver santificação sem justificação. Mas, se fosse possível apenas a realização da justificação, qual seria a esperança depois
dela? Por isso, a santificação é uma obra indispensável e dinâmica na vida do
crente justificado.
Em quarto lugar, no capítulo 6.1-11,
veremos o processo espiritual e dinâmico que se efetiva na vida do pecador,
partindo da justificação para a santificação. Outrossim,
a justificação trata da culpa do pecado, enquanto a santificação se preocupa da
libertação do poder do pecado. Mais duas coisas devem chamar a nossa atenção
quanto à obra de Cristo por nós. Primeiro, a justificação foi realizada por
Cristo sem nós (3.21). Segundo, a santificação é transmitida por Cristo para
nós (6.3; 8.1).
A Doutrina da Salvação em Relação a Israel
Ao estudarmos a Doutrina da Salvação
obedecendo a certa ordem gradual nos capítulos
Esses capítulos formam uma trilogia
especial. O capítulo 9 trata da soberania divina para com Israel, focalizando
a "eleição" da nação israelita como "o povo escolhido de
Deus" e gira em torno do passado. O capítulo 10 trata da responsabilidade
humana de Israel e focaliza a sua rejeição no presente. O capítulo 11
apresenta a bênção salvadora para Israel, como resultado da misericórdia de
Deus.
Nos três capítulos em estudo notaremos
que, no capítulo 9, as promessas de Deus são para os fiéis, mediante a fé
nele, e não a conformidade exterior à Lei. No capítulo 10, Paulo destaca que é
impossível escapar ao fato da culpa do pecado. Portanto, recusar a obra
expiatória de Jesus é transgressão total e indesculpável. No capítulo